A Última Visão do Oasis




Carta sem papel
no selo da memória
em que porto
vou ancorar nossa história?

mar, paraíso terrestre
miragem, um dia
eu te encontrei
na paisagem

passamos como viajantes
um átimo do tempo ali..
delírios de imagens

- Sonhos Felinos



Ninguém entende de fato
porque tanto dorme o gato

ele sonha com as gatas
no quintal alheio
e a noite de lua
que ainda não veio

sonha com a
cozinheira sozinha
distraída com os bifes
na pia da cozinha

sonha com leite, carícia 
almofada de pluma
a linhagem nobre
do leão e das pumas

por isso, dorme
e fascina o gato 

olhos de jade
patas de cetim
dentes afiados
garras de marfim

- Prazer


ainda que
o que me instigue o corpo
seja breve
seja novo
será sempre
a lição sem fim
de redescobrir paraísos
perdidos
dentro de mim

- De volta ao Mar



Ela era feita de água e sal. E aquele mar nem sempre era triste, era apenas o mar inscrito no corpo, ondas que transbordavam para invadir a terra. Havia ilhas de ternura e ilhas de derrota, conchas secretas e peixes inquietos que pulavam para fora da linha d’água.
Assim marítima, ela às vezes se deitava sobre ele e o lambia, usando as palmas das mãos como ondas que convergiam para as linhas equatoriais. As linhas nasciam e sumiam antes dos dedos, longos e acabando em unhas perfeitas. Então, o que mesmo ela tocava? As suas mãos ou as dele? No movimento, elas se confundiam como conchas e lá dentro, no vácuo das palmas, o barulho parecia canto de sereia. Então, ela pegava uma das conchas e colocava o mar sobre seu ouvido.

Como um gato que massageia as patas sobre as almofadas, num gesto contínuo ela deslizava mãos e braços em ternuras longilíneas. Percorria o corpo dele de norte a sul, de leste a oeste. Em todo trajeto pequenas veias corriam como rios vermelhos até o coração descompassado. Descobriam assim as rotas da  própria pele, da musculatura, do prazer sob a sola dos pés...

O corpo dele era um continente estendido sobre a cama, uma viagem em que se encontram pequenos portos. Sobre os olhos, de cílios espessos, os sonhos escondiam-se da luz e tremiam levemente a cada toque, porque eram olhos intocados. Serviam para ver o mundo, mas estavam desacostumados a ficar assim fechados para os  movimentos desconhecidos que brotavam dos dedos dela. Pressões levíssimas, giros suaves os mantinham cerrados como persianas, com o olhar guardado para um quarto íntimo.

O que ele pensava, enquanto tensionava a garganta ou soltava um ai que poderia ser de prazer ou de angústia? Todos os sentimentos são possíveis quando despertados por toques da longa noite dos silêncios. Óleos mágicos gotejavam feito água, pingos de ouro escorriam dos vidros como paisagens de aromas. Haveria por ali um campo de lavanda?  

Nas viagens aromáticas a que ilhas chegariam seus pensamentos? Em que continentes desembarcariam? Sem saber o destino da aventura, ela o lambia outra vez como onda, depois se deitava bem quieta na areia. Seu corpo era quente como se o dia tivesse mil sóis e as horas concentrassem a luz. Então, era ele quem se deitava sobre ela, não como um homem, mas como um oceano que se levanta e engole as ternuras. Era como se todas as dádivas reunidas os fizessem esquecer que há desertos no planeta...